Carta-compromisso da Rede Favela Sustentável Comemorando a Rio+30

Convidamos representantes eleitos a assinarem a se mostrarem comprometidos com o desenvolvimento pleno da cidade do Rio de Janeiro através da valorização Socioambiental das suas favelas.


Rio de Janeiro, 3 de junho de 2022

Prezada/o Representante,

A Rede Favela Sustentável—uma rede de base comunitária que fortalece e multiplica iniciativas de sustentabilidade e resiliência nas favelas do Rio, de forma a concretizar o potencial das mesmas como parte de um futuro urbano sustentável—preparou, com base no conhecimento coletivo comunitário da Rede, esta carta-compromisso com um conjunto de propostas de políticas públicas inclusivas e impactantes

Introdução

A sociedade carioca tende a ver a favela como um problema intrínseco. Porém, tanto na sua origem (emergindo como solução para a falta de moradia) quanto na sua evolução (respondendo dentro do possível à escassez de políticas públicas através de ações individuais e projetos coletivos locais) a favela não é um problema. A verdade é que as favelas são fábricas de soluções

As favelas do Rio de Janeiro, que abrigam cerca de 24% da população carioca, exibem uma diversidade de qualidades urbanísticas sustentáveis, qualidades difíceis de serem desenvolvidas através do planejamento centralizado e que urbanistas nos quatro cantos do mundo hoje tentam estimular, com muita dificuldade, muitas vezes tarde demais, como: moradia a preços acessíveis em toda a malha urbana, densidade sem demasiada verticalidade, foco no pedestre, alto uso de bicicletas e transporte público, "uso misto” residencial e comercial, arquitetura orgânica adaptada mais facilmente às necessidades dos moradores, alto grau de ação coletiva, redes intrincadas de solidariedade, entre outras. Qualidades que, inclusive, contribuirão para atingir as metas de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU do qual o Brasil é signatário.

Favelas consolidadas representam uma oportunidade para o desenvolvimento sustentável fora dos padrões formais, através dos inúmeros ativos das mesmas. Trabalhar em prol de um desenvolvimento sustentável nas favelas, com base em seus ativos, irá revelar as favelas como referências positivas da cidade, que poderão ser vistas inclusive como exemplos para áreas formais em termos de flexibilidade, criatividade, estratégias de resiliência, senso de coletividade, etc.

Entretanto, as favelas compõem uma grande parte da cidade que tem sido negligenciada historicamente. Seus ativos não são reconhecidos e sua população é sistematicamente estigmatizada por estar em um território tido como informal e problemático. Porém, dado que o desenvolvimento destas áreas é necessário, e que as favelas já possuem características do urbanismo sustentável, nada mais oportuno do que um novo padrão de implementação de políticas públicas e de gestão urbana que ultrapasse o modelo atual defasado, vertical, hierarquizado, predatório e especulativo e, por outro lado, fortaleça a gestão democrática, valorize a organização social local, reconheça o conhecimento local para a definição de seus problemas e soluções e assuma o compromisso de priorizar investimentos nessas áreas.

Assim, podemos gerar um novo padrão de urbanismo a partir das favelas, tendo como destaque seu desenvolvimento sustentável que as torna, cada vez mais, locais de resiliência, criatividade e solução. Esse padrão já pode ser visto em favelas do Rio de Janeiro, cabendo buscar um fortalecimento de iniciativas sustentáveis que já estão se tornando mais comuns nas favelas. Este tipo de desenvolvimento contribui para a reparação histórica ao reconhecer que os ativos daqueles territórios sempre foram e continuarão a ser importantes para a cidade, e futuramente para uma sociedade nova, mais equilibrada e justa.

Neste momento, em que acabamos de passar pela pandemia da Covid-19, o valor de um urbanismo baseado na sabedoria e protagonismo das favelas torna-se óbvio. Vimos claramente na pandemia uma potencialização dos problemas frutos da desigualdade que vivemos coletivamente. A resposta a esses problemas, e aos desafios que se aprofundaram, deverá ocorrer principalmente promovendo o desenvolvimento sustentável através do reconhecimento das qualidades já existentes nas favelas. Isso é, promover saúde, qualidade de vida e geração de renda justa e sustentável para a população carioca. É realizar uma cidade com menos valão e mais educação, com menos riscos ambientais e mais cultura. É garantir uma cidade mais justa, inclusiva e segura para todos.

Neste período da Rio+30, lhe convidamos a voltar seu olhar para estes territórios potentes e inspiradores e se comprometer a propor e exigir a implementação de leis e políticas públicas que estimulem o desenvolvimento sustentável desses territórios a partir do conhecimento e fortalecimento de iniciativas locais já existentes.

Um Convite para Abraçar essa Carta-Compromisso

A partir da compreensão da nossa realidade detalhada acima, abaixo apresentamos propostas ligadas a cada um dos onze objetivos temáticos trabalhados pela Rede Favela Sustentável. Estes temas, embora apresentados separadamente, conversam entre si e precisam ser entendidos e encaminhados pelo poder público de maneira integrada, intersetorial, sempre com efetiva participação social, seja na fase de elaboração de planos, seja na fase de execução, monitoramento e avaliação. Pedimos que leia com atenção e sinalize o seu compromisso com cada item.

I. Justiça Climática

Com as graves mudanças climáticas e a desigualdade social, vemos enormes desafios enquanto sociedade no enfrentamento igualitário dessa nova realidade mundial. A justiça climática prevê tratar o aquecimento global de forma ética, política e inclusiva, e para tal, devem ser priorizadas as populações de maior risco, em nosso contexto urbano sua maioria localizadas das favelas. 

Tendo essa realidade em mente, pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos de que priorizem a implementação de políticas públicas voltadas a uma sociedade mais justa sob a ótica da crise climática atual, considerando:

1 | A participação e deferência à população dos povos originários nas Políticas Públicas voltadas ao clima, resgatando nossa ancestralidade por meio de:

a. Projetos que resgatem o saber ecológico dos povos indígena e preto, constantemente desvalorizado ou perdido, como no desastre do incêndio do Museu Nacional.

b. Políticas Públicas que prevejam o acolhimento dos povos indígenas desaldeados, já que as favelas são grandes receptáculos dessa população.

c. Projetos de lei que busquem evitar ou minimizar a vulnerabilidade climática e as catástrofes ambientais sofridas por povos originários, sobretudo em seu desalojamento, seja pela pecuária ou pelo agronegócio.  

2 | A busca por soluções efetivas às fortes crises pluviométricas, cada vez mais frequentes, que destroem milhares de casas, realizando:

a. Projetos de regularização fundiária, elaborados e realizados com protagonismo dos moradores e levando em consideração a ciência, para garantir moradias seguras perante inundações.

b. Projetos de acolhimento efetivo a desabrigados pela chuva, contando também com suporte psicológico.

c. Expansão de áreas destinadas para habitação em áreas centrais, a fim de evitar a realocação da população em áreas distantes de suas moradias de origem.

d. Moradias temporárias para a população em crise.

e. Reflorestamento das áreas de mangue e encostas e realização de outras intervenções ecológicas de prevenção de desastres naturais.

f. Táticas de evacuação e disseminação da informação em enchentes.

3 | Realizar campanhas de conscientização sobre justiça climática, ressaltando como as mudanças climáticas vêm afetando as populações de forma heterogênea conforme raça, classe social, gênero e mobilidade física:

a. Monitoramento transparente dos impactos ambientais sobre a cidade e estado, levando em consideração indicadores raciais para promover o conhecimento sobre o racismo ambiental e viabilizar a sua redução. O acompanhamento também deve contemplar indicadores socioeconômicos e de gênero para viabilizar a redução da injustiça ambiental como um todo.

b. Estímulo à palestras, plenárias e audições públicas sobre o tema.

c. Incentivos para meios de comunicação cobrirem o tema.

d. Garantia do tema abordado em planos de ensino das escolas desde o ensino fundamental ao ensino médio.

II. Educação Socioambiental

A pandemia revelou a importância da educação ambiental para uma sociedade saudável. Estamos diante de um futuro incerto, perante o qual se faz necessário investir em modos criativos e transversais de educação a fim de apropriar e empoderar crianças, jovens e adultos para construções e percepções de mundo capazes de assimilar as questões ambientais. 

Pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos de que foquem em políticas públicas e ações voltadas para as seguintes três áreas, especificamente em escolas municipais localizadas em favelas (ou entornos imediatos), ou atendendo principalmente, jovens de favelas cariocas:

4 | Aprofundamento e Extensão de Atividades de Educação Ambiental dentro dos colégios:

a. Garantir aos alunos e profissionais das escolas condições sanitárias adequadas ao momento pandêmico, com plena garantia de informações sobre prevenção da doença, acesso à água limpa e potável, máscaras, avaliação médica, materiais de limpeza e higiene, assim como infraestrutura que possibilite um retorno salubre e seguro a todos.

b. Investir na capacitação de todo o corpo docente das escolas públicas para que possam entender e dialogar com questões ambientais fundamentais para o futuro dos seus alunos, como as mudanças climáticas, e, consequentemente, para que possam desenvolver a educação ambiental nas escolas, reconhecendo que a educação ambiental é transdisciplinar, envolvendo todos os professores, trabalhando a partir da perspectiva de uma educação ambiental crítica. 

c. Rever as plantas das escolas, seus espaços físicos e suas histórias, e se comprometer a melhorar esses espaços com hortas, ecopontos, ou parquinhos (e.g. construídos com materiais reciclados em parceria com a Comlurb), de acordo com uma proposta de aproveitar o espaço para realizar ações de educação ambiental. As escolas devem se tornar pontos de referência em educação ambiental.

d. Envolver educadores socioambientais locais da comunidade, que conhecem a realidade e como atuar com o tema dentro do território, em parcerias para desenvolver o currículo específico a cada escola local. Quando possível, contratar organizações da sociedade civil dedicadas à educação ambiental nas favelas para realizar formação de professores. É fundamental que a Câmara reconheça as instituições locais já existentes que potencializam o ensino ambiental no território, e que promovam incentivos para projetos realizando estas ações.

e. Implantar ecopontos nas escolas com parceiros locais para realizar atividades de educação ambiental (e.g. ensinar a separar os resíduos sólidos e a fazer reciclagem, ensinar o valor de diferentes materiais, suas origens e impactos possíveis no ambiente quando descartados). Pode-se considerar como um  estímulo, adotar pontuação para a turma mais comprometida com ações, ou, melhor ainda, atividades em grupo que estimulam e ensinam o valor da ação coletiva e apoio mútuo. A coleta e atividades também devem ser realizadas com materiais que não têm grande valor econômico, como garrafas de vidro e óleo, para ser uma estação de ensino sobre gestão de resíduos e de realização de atividades de reciclagem com estes materiais. Escolas podem ali arrecadar tampinhas e garrafas PET para trocar por materiais escolares. A partir do ecoponto, pode-se estimular parcerias com universidades para a construção de vivências transformadoras (e.g. competição “Semana Lixo Zero” no colégio). 

f. Desburocratizar, estender, e aprimorar projetos existentes da prefeitura municipal do Rio de Janeiro, como o Hortas Cariocas, garantindo a transparência na seleção de escolas, e expandi-los para demais favelas da cidade. 

g. Levantar e mapear todos os projetos ativos de educação ambiental nas escolas municipais, identificando eixos temáticos e áreas atendidas para, em seguida, atualizar os programas existentes através do desenvolvimento de um currículo escolar com base nos itens acima, garantindo a educação ambiental de qualidade em 100% das escolas municipais.

5 | Ações no Entorno dos Colégios nos Territórios das Favelas:

a. Criar um programa de fomento e incentivo a projetos socioambientais e de educação ambiental dentro das favelas contempladas pelas escolas.

b. Realizar parcerias com as iniciativas e os protagonistas de educação socioambiental dentro das próprias comunidades que estejam fazendo atividades contraturno, desde a produção cultural ao cultivo de uma horta, encontrando formas de estender a escola até estes projetos e dialogando com o território como um todo através de parcerias. Em alguns casos, estes projetos foram responsáveis por atender jovens que perderam contato com a escola em meio à pandemia e podem contribuir para o seu retorno.

6 | Atividades Relacionadas à Cidade como um Todo:

a. Todos os meses garantir a alunos de todos os colégios municipais oportunidades de aulas-passeio, provendo transporte escolar adequado e realizando ações para que os alunos tenham contato com a natureza, a história, a cultura e os pontos turísticos da cidade, garantindo que possam se apropriar da cidade, visto que ela pertence a eles e a todos. Museus de favelas e populares, ecomuseus do bairro também devem constar na lista de visitas.

b. Desburocratizar, regulamentar e dar transparência aos acesso às Coordenadorias de Educação (CREs).

c. Identificar, reunir e divulgar ações locais vinculadas à Rede Favela Sustentável e outras redes comunitárias através de e-books gratuitos, que estimulem a apreensão e valorizem o patrimônio cultural, material e imaterial, e/ou ao patrimônio natural, a partir dos repertórios das favelas. E premiar essas ações anualmente.

III. Políticas Públicas Participativas

A política não existe sem a participação de fato, que se trata de no mínimo parcerias eficazes, preferencialmente de poder delegado e no seu ideal, o controle comunitário. Sem participação plena e eficaz, políticas públicas se tornam autoritárias e tendenciosas a partir de interesses individuais e resultam em atividades e investimentos que não são de fato norteados pelos maiores interesses e potenciais impactos na sociedade. Apenas centralizando a população na discussão—e principalmente nas decisões—das medidas públicas, é que a política tem real sucesso, pois o povo é o único agente da sociedade civil capaz tanto de apontar com precisão as suas próprias necessidades, enquanto entendendo suas potências e o que pode ser perdido na implementação caótica ou mal-pensado de políticas.

Neste sentido, pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos de que garantam políticas públicas altamente participativas, em especial:

7 | Garantir que todas políticas voltadas para as favelas sejam responsivas às demandas dos moradores.

a. Que políticas voltadas para qualquer favela sejam desenvolvidas a partir de um processo de planejamento popular e coletivo, aproveitando a oportunidade para capacitar os moradores sobre o processo para se apropriarem dele, e que os projetos finais sejam acordados e beneficiem os moradores tanto na sua construção quanto no seu resultado.

b. Que mantenham um escritório no local convidativo para os moradores com profissionais aliados aos seus interesses (arquitetos, assistentes sociais, urbanistas populares, etc.) que receba moradores para conversas espontâneas além de reuniões abertas, podendo ser utilizado pelos moradores para se organizar também, e que as demandas levantadas neste convívio sejam utilizados como base para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para os moradores.

8 | Garantir as condições para que moradores de favelas e bairros periféricos possam participar efetivamente de decisões tomadas à nível municipal—e fiscalizá-las. 

a. Efetivar que moradores de favelas possam facilmente acompanhar e comentar sobre os conselhos municipais (saúde, meio ambiente, saúde, alimentação escolar, etc.).

b. Garantir que moradores de favelas e bairros periféricos possam participar amplamente dos debates e decisões tomadas na Câmara dos Vereadores.

c. Propor, elaborar e implementar orçamentos participativos definidos por AP, com fiscalização intensa das atividades geradas. 

d. Criar novos, transparentes e acessíveis mecanismos de fiscalização das políticas públicas pensados para gerar compreensão e o engajamento de moradores de favelas.

IV. Cultura e Memória Local

Faz 134 anos desde a abolição da escravatura e 125 anos desde o primeiro uso da palavra "favela" para descrever um assentamento informal no Rio de Janeiro, cidade que foi o maior porto de entrada de povos escravizados da história da humanidade. Poucos cariocas são encorajados a refletir sobre essa história, então não é coincidência que após gerações, os mapas raciais do Rio de Janeiro continuem quase sincrônicos com os mapas de formalidade e informalidade na malha urbana. As favelas de hoje são a mais clara manifestação territorial do legado contínuo da escravidão no Rio de Janeiro. O desinvestimento nas favelas pelo poder público se tornou o caminho mais garantido para se manter a lógica escravocrata, de que alguns vivem para servir e não para serem servidos, até os dias de hoje.

Temos que dar um basta neste ciclo. Está mais do que na hora de valorizar e investir nas nossas favelas, quilombos, e periferias. Reconhecer de fato suas contribuições para a cultura, economia e vida da cidade. Entrar em contato com a memória nas favelas é um passo crítico, tanto para desenvolvermos o sentimento de pertencimento entre os nossos, o que gera os cuidados com o ambiente que tanto buscamos nesta carta e para o nosso mundo, quanto para que a sociedade aprenda a valorizar as nossas favelas, suas contribuições e potências.

E, com relação à cultura, sabemos que ela tem o poder de mudar, e até mesmo salvar, a vida das pessoas. Não é mistério que basicamente todos os elementos valorizados da cultura carioca, quer brasileira, sejam por nós mesmos, por turistas, ou pelo mundo, são nascidos, cultivados ou preservados nas nossas favelas. Então basta! Grande parte das nossas favelas existem há gerações. Basta de desvalorizar suas contribuições, de removê-las, de explorá-las. Raízes são fundamentais para a realização humana, e todos nós temos direito a cultivá-las.

A partir deste entendimento, e reconhecendo que quem deve estar na condução integral de projetos de memória são as pessoas às quais a memória pertence, pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos com a criação e a implementação de uma lei cujo objetivo seja começar a trilhar o longo caminho necessário para reverter o panorama de desigualdade, que marca nossa sociedade e construir um futuro a partir do aprendizado de nossa história. 

Esta lei deverá:

9 | Reconhecer, Promover, Fortalecer e Garantir a Continuidade de Projetos de Cultura e Memória das Favelas, Quilombos, e Periferias da Cidade:

a. Fazer com que seja aprovado o orçamento destinado ao Plano Municipal de Cultura.

b. Garantir que ao menos 24% dos recursos destinados à cultura pelas secretarias municipais sejam para iniciativas das favelas (correspondentes a 24% da população urbana).

c. Prover incentivos e editais para a realização de eventos públicos de pequeno/médio porte nas favelas, quilombos e periferias da cidade.

d. Financiar ações culturais em escolas municipais das favelas, realizadas em parceria com organizações de favelas, quilombos e periferias da cidade, inclusive museus comunitários.

e. Conceder benefícios fiscais a empresas no município que invistam em projetos de memória e cultura em favelas.

10 | Criar estímulos para o Constante Fortalecimento de Coletivos e Artistas Independentes das Favelas:

a. Realizar uma formação online direcionada para promotores culturais de favelas, quilombos e periferias.

b. Reconhecer os artistas de rua e viabilizar a legalização de apresentações artísticas em ônibus e transportes públicos. (Exemplo: Prefeitura de Nova York.)

c. Desenvolver uma política de renda básica para agentes culturais de favelas, quilombos e periferias.

d. Aumentar o número e valor de prêmios acessíveis (sem burocracia) destinados a coletivos e artistas independentes de favelas, quilombos e periferias.

e. Conceder isenções fiscais e orientação jurídica para regularização de museus e projetos de cultura de favelas, quilombos e periferias.

f. Conceder estímulos e auxílios para museus maiores e casas de cultura promoverem exposições em parceria com museus e projetos de cultura comunitários. (Exemplo: Costa Rica, onde o Museu Nacional tem um departamento de auxílio a museus comunitários.)

g. Criar uma linha especial de investimento para empoderar mulheres e meninas na área de cultura com bolsa-auxílio para aquelas meninas e mulheres que trabalham na rua ou informalmente, além de facilitar o registro profissional de artistas das mesmas.

h. Promover estímulo especial a rodas e lonas culturais em favelas e praças públicas periféricas.

i. Garantir a destinação de 25% do Fundo Municipal de Conservação do Patrimônio Cultural para ações e projetos nas favelas cariocas.

11 | Criar um Programa de Férias nas Escolas Públicas em Favelas Focado na Construção do Pertencimento:

a. Mapear, junto aos alunos, as áreas das suas favelas próximas à escola em termos dos seus ativos históricos e culturais, identificando o que é preciso para desenvolver o senso de pertencimento a partir do entendimento das condições locais/territoriais. 

b. Criar intercâmbios para troca de experiências entre alunos e junto a organizações de preservação de memória local.

c. Elaborar e desenvolver projetos de memória ligados ao ambiente local após estas ações, trazendo mais dinamismo às aulas, responsabilidade e comprometimento com a comunidade no entorno. Estabelecer parcerias com universidades e agências de pesquisa públicas para a realização das atividades (e.g. EMBRAPA). 

V. Soberania Alimentar

Para muitos moradores de favelas cariocas, comer não é um direito, mas sim um desafio,que se intensificou com a pandemia. Foi através da ação de diversos projetos de base comunitária, e da generosidade de vizinhos dentro das próprias comunidades, que chegou comida na mesa da maioria dos necessitados durante a pandemia. 

Além do acesso, precisamos nos preocupar com a qualidade do alimento. Sabemos que os alimentos frescos e naturais, determinantemente excluídos das cestas básicas, são os mais fundamentais para a  garantia de uma alimentação que fortaleça a imunidade e o bem-estar da população. 

Buscando garantir o direito mais básico ao alimento saudável—seja em tempos normais ou extraordinários—e a soberania em torno deste direito, pedimos o compromisso de nossos representantes políticos com as seguintes ações para assegurar o acesso de moradores à alimentação saudável e à soberania alimentar:

12 | Garantir Incentivos para Projetos de Hortas Comunitárias:

a. Editais da Secretaria de Meio Ambiente ou de outras para o fornecimento de materiais e insumos para garantir a manutenção de projetos sociais voluntários de hortas comunitárias já existentes cujos protagonistas já tiveram uma luta pela transformação do espaço, levando muitas vezes anos para desenvolver a horta.

b. Compromisso de aumento de investimento e autonomia para projetos públicos já existentes como o “Hortas Cariocas”, além da criação de novos editais parecidos, que remunerem adequadamente os grupos para promover feiras e ações de soberania alimentar com integração de projetos de favela.

c. Publicação de editais para contratação de organizações da sociedade civil para desenvolver novos projetos de fortalecimento de redes de agroecologia e produção orgânica nas favelas do Rio de Janeiro.

13 | Garantir o Acesso a Alimentos Naturais, Agroecológicos e Orgânicos, de Produtores Locais nas Favelas:

a. Criação e efetivação de uma política municipal de desenvolvimento da agricultura urbana nas favelas, contemplando editais para a contratação de organizações para prestar assessoria a agricultores urbanos, destinação de áreas públicas e privadas para produção diversificada de alimentos e plantas medicinais e fomento para a melhoria da infraestrutura de quintais e hortas comunitárias nas favelas. 

b. Mapeamento das escolas em favelas e produtores locais próximos para realização de convênio com agricultores locais para abastecimento das escolas, integrando este processo com a educação ambiental na escola.

c. Garantia de apoio logístico para conectar produtores orgânicos e pequenos produtores do município e estado do Rio às favelas e bairros periféricos.

d. Ampliação da rede carioca de feiras orgânicas para favelas e regiões periféricas em todas as 33 Regiões Administrativas da cidade.

14 | Conectar Moradores e Preservar Remanescentes Florestais Próximos às Favelas da Cidade:

a. Preservar e aumentar os mecanismos de preservação dos remanescentes florestais e mananciais de água próximos às favelas, promovendo soluções que estimulem o uso criativo e sustentável, com plena garantia ao direito à moradia.

VI. Saúde Coletiva

A Covid-19 trouxe consigo a urgência de se abordar o tema da saúde pública, sobretudo em períodos de crise. Os moradores das favelas são os que mais sofrem com o descaso e a negligência das autoridades, evidenciado pelo grande número de mortos nessas regiões durante a pandemia. Para além desta questão imediata, saúde coletiva também significa prevenção, além da constante manutenção de medidas, ou seja, relaciona-se a ações públicas de longo prazo ou de aplicação permanente. 

A partir deste entendimento, pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos com as seguintes propostas de políticas voltadas para a saúde coletiva: 

15 | Promover uma Política de Segurança Pública cuja Prioridade seja a Proteção da Vida nas Favelas, e a Segurança de seus Habitantes:

a. Reconhecer o lar como direito inviolável do cidadão, tomando medidas para coibir a invasão ilegítima por parte de agentes do Estado.

b. Reduzir a violência policial em favelas, criando mecanismos para garantir o acesso à justiça a moradores cujos direitos foram violados, bem como a responsabilização estatal em caso de cometimento de crimes. 

c. Combater a ação de grupos de poder paralelo, atuando para enfraquecer suas formas de exploração dos moradores, de forma inteligente, sem invasões que desrespeitam à vida ou os direitos (e.g. de ir e vir, à cidade) dos moradores.

16 | Fortalecer as estruturas de saúde coletiva, inclusive:

a. Ampliar a cobertura da Estratégia de Saúde da Família, priorizando os territórios com maior situação de risco e/ou vulnerabilidade social.

b. Garantia de materiais e médicos principalmente para clínicas, postos e hospitais próximos às favelas.

c. Criar uma agenda intersetorial de programas e ações para o fortalecimento e integração das ações de Saúde com outros programas sociais de Assistência Social, Habitação, Saneamento e Infraestrutura.

d. Implementar conselhos gestores de saúde nas favelas com participação intensa dos moradores locais.

e. Criar ações coletivas e novos programas de saúde que considerem as variáveis raça/cor, gênero, escolaridade e faixa etária mapeadas territorialmente nas favelas.

f. Desenvolver e implementar um plano de mobilização permanente contra as arboviroses para a população das favelas.


17 | Garantir melhores sistemas de coleta de dados e disponibilizá-los para a população:

a. Tornar transparente dados que documentam desigualdades territoriais e sociais.

b. Estabelecer indicadores para medição de doenças de veiculação hídrica e realizar monitoramento regular e transparente.

c. Capacitar os agentes comunitários de saúde para identificar e reportar a existência de acúmulos de lixo, fugas d'água, vazamentos nas redes de água e esgoto e outros precursores para ajudar a diminuir a detonação de deslizamentos em eventos de chuvas intensas. 

18 | Criar mecanismos duradouros para reconhecer e potencializar as ligações transversais entre Saúde e:

a. Mobilidade—e.g. posto de saúde às vezes é longe, tem que pegar transporte, tem que ter dinheiro para pagar, transporte de baixa qualidade e acessibilidade.

b. Moradia—e.g. moradia de baixa qualidade interfere na saúde com propensão a doenças respiratórias, reduz a qualidade do sono, etc.. 

c. Saneamento—e.g. falta propicia doenças, falta de água potável influencia diretamente, doenças vinculadas à água como a dengue. 

d. Alimentação—e.g. acesso a uma qualidade alimentar a um preço justo.

e. Coleta de lixo—e.g. valorização do trabalho da Comlurb que ajuda na prevenção de doenças vinculadas ao lixo

19 | Propor políticas voltadas para:

a. Saúde da mulher, prevenção da obesidade, doenças cardíacas, e depressão.

b. Garantir acesso universal à atividades de ocupação como artesanato e atividades físicas e esportivas.

c. Importância do cuidado preventivo e integrado, inclusive com os saberes ancestrais.

d. Saúde e qualidade de vida dos idosos e promoção do afeto como remédio potente.

VII. Economia Solidária

Em sua maioria, são os moradores de favelas que constroem a cidade e que fazem a sua economia circular, prestando muitos dos serviços essenciais dos quais dependem, inclusive durante a pandemia. Infelizmente, estes mesmos trabalhadores são pouco reconhecidos e mal-recompensados por tudo que fazem e pelos riscos que assumem no processo desta construção. É fundamental que haja uma transformação na visão da sociedade com respeito a estes trabalhadores, sejam formais ou informais, e ao papel tão crítico que desempenham em nossa cidade. 

Além de sustentar parcialmente a economia de toda a cidade, muitas favelas fomentam a sua própria economia, quase que por inteiro, sem investimentos externos. E, entre os empreendimentos da economia das favelas da cidade, há um movimento crescente de trabalhadores buscando formas sustentáveis de construir seus sonhos e garantir seu ganha-pão, em relativa harmonia com o meio ambiente e construindo a resiliência social.

Pedimos então o compromisso dos nossos representantes políticos com a seguinte proposta específica, que busca reconhecer, incentivar e investir no crescente movimento de economia justa, solidária, sustentável e criativa das favelas do Rio: 

20 | Implementar Uma Leinão um decreto ou um programa de governo—que garanta a organização social do trabalho nas favelas, através de cooperativas e associações que permitam o desenvolvimento justo, solidário, sustentável e criativo (seja qual for a vocação). Através desta lei visamos:

21 | Dispor de caminhos acessíveis (em termos de custo e processo) para formalização de projetos de geração de renda baseados na economia justa, solidária, sustentável e criativa nas favelas.

22 | Garantir que pequenos empreendedores que não são MEI e trabalham em quiosque, por exemplo, possam trabalhar seguros ou se legalizar de forma desburocratizada e empoderadora, sem riscos de remoção. Trabalhadores nesta condição tendem a ser os mais vulneráveis e quando removidos, os danos decorrentes deste processo causam enormes impactos na renda e na sobrevivência das suas famílias.

23 | Garantir apoio financeiro e institucional para ações de desenvolvimento econômico local nas favelas, baseadas no fortalecimento de iniciativas populares de economia justa, solidária, sustentável e criativa.

24 | Investir em polos de formação em cada uma das 33 Regiões Administrativas, com bolsas para geração de renda pautadas na economia justa, solidária, sustentável e criativa (com base no modelo Paul Singer).

25 | Facilitar procedimentos e garantir prioridade, através de cota de 10%, para que cooperativas, associações e outros negócios baseados na cooperação mútua nas favelas participem de licitações para realização de equipamentos ou eventos.

26 | Garantir 10% dos espaços físicos em eventos da Prefeitura ou de suas secretarias, com exposição ou espaços de feira, para cooperativas ou associações de economia justa, solidária, sustentável e criativa de favelas exibirem seus produtos, com bolsa integral.

27 | Reconhecer e investir nos trabalhadores e trabalhadoras do artesanato, da cultura e turismo comunitário das favelas e territórios periféricos, para que estes sejam fortalecidos como protagonistas da produção e manutenção da cultura popular carioca.

VIII. Direito ao Saneamento—Água e Esgoto

As crises da Covid-19 e hídrica de 2020-2021 alarmaram a todos quando desmascararam—para quem ainda não tinha consciência—a realidade da precariedade do saneamento nas favelas do Rio. Neste âmbito, em específico, vivemos a total precariedade, notória mundialmente após as Olimpíadas de 2016. Nós acreditamos que há soluções práticas e empoderadoras para trabalhar a questão de fornecimento de água, de tratamento de esgoto e de sistemas ecológicos de saneamento nas favelas.

Com isso, pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos com as seguintes ações em prol de soluções e sistemas, tanto centralizados quanto descentralizados, para a realização do saneamento pleno atendendo todas as favelas cariocas:

28 | Fazer do Saneamento Básico de Fato Prioridade Principal do Poder Público:

a. Mapear e adequar toda a rede de esgotamento nas favelas do Rio de Janeiro, garantindo acesso universal apropriado às condições locais (através de soluções centralizadas ou descentralizadas), separando sistemas de coleta de esgoto e de águas pluviais, garantindo esgoto com destino às redes de tratamento, sistemas ecológicos de tratamento complementares ao sistema convencional, criação de mecanismos pactuados com as comunidades para cessar o descarte irregular de esgoto nos rios próximos às comunidades, etc.

b. Os projetos de saneamento devem levar em consideração seu pré-tratamento no local ou próximo para aproveitar a geração de biogás e adubo pela população local.

c. Toda obra de saneamento deverá ser acompanhada de ações estruturantes de educação ambiental, com o intuito de sensibilizar e capacitar a população quanto às questões do saneamento básico.

d. Reerguer e fortalecer o programa de Garis Comunitários, contratando moradores de favelas para atuar dentro dos seus territórios para além da limpeza, ensinando vizinhos e realizando campanhas e ações coletivas de limpeza dos territórios e corpos hídricos.

e. Garantir acesso universal à água tratada nas favelas do Rio de Janeiro.

f. Desenvolver um projeto de captação de águas de chuva em favelas onde é comprovado o alto índice pluviométrico, aproveitando prédios públicos e particulares (creches, escolas, Cieps, clínicas, bancos, mercados, outros comércios e condomínios locais e próximo) além de incentivos financeiros para moradores.

g. Mapear mananciais e as fontes de água em favelas com sistema local de abastecimento d’água, garantir o acesso da população a estas fontes e realizar o armazenamento e proteção das águas para facilitar seu uso público. Inserir saneamento básico e sua relação com a saúde na grade curricular das escolas municipais dentro do programa de educação ambiental.

h. Qualquer programa de saneamento básico (inclusive os aqui citados) deverá ser desenvolvido com a ampla participação da comunidade.

29 | Garantir o Saneamento Básico Ecológico e Descentralizado em Favelas Onde seja Mais Apropriado ou o Desejo da População Local:

a. Prover incentivos, editais e realizar convênios com empresas e organizações locais adeptas a realizar sistemas de esgotamento ecológico local. Em determinadas áreas de favelas consolidadas, não é possível coletar o esgoto sem obras invasivas e predatórias. Em outras favelas mais afastadas, pode ser economicamente inviável integrar uma comunidade ao sistema de saneamento no curto prazo. Ainda em outros locais, comunidades podem desejar desenvolver um sistema de saneamento ecológico pelos seus benefícios econômicos e ecológicos.

IX. Direito ao Saneamento—Resíduos Sólidos

O acúmulo de resíduos nos canteiros das favelas e nos aterros da cidade é uma prova clara da falha dos nossos governantes na garantia de qualidade de vida à população, no aproveitamento de oportunidades de geração de renda, na economia de  recursos públicos, e em pensar criativamente. A boa gestão de resíduos promove a saúde da população e desafoga os equipamentos e serviços de atendimento de saúde, mas ela faz muito mais do que isso: estes resíduos poderiam, com atenção e vontade política, poupar recursos a partir de  campanhas educativas para sua redução; tornar-se novos objetos e fontes de renda a partir da reciclagem e se transformar em adubo e gás sem sequer sair do seu bairro.

Vejamos o exemplo de como o poder público trata quem realiza a maior parte do trabalho de destinação adequada dos nossos resíduos: os catadores. Durante a pandemia do coronavírus, os catadores, apesar de serem responsáveis por 90% da reciclagem em nosso país, estavam entre os mais vulneráveis da população ocupada. Dependentes da renda oriunda da coleta dos materiais, sem outras fontes, poucos foram capazes de se isolar durante a quarentena. E não houve sequer uma iniciativa por parte do poder público para atender essa população.

Com este entendimento, pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos com as seguintes propostas de políticas voltadas para os resíduos sólidos: 

30 | Atender às Necessidades Básicas de Coleta de Resíduos nas Favelas:

a. Garantir o número adequado de lixeiras e caçambas em locais estratégicos para coleta (conforme definido por moradores), além de coletas mais frequentes nas favelas.

b. Reerguer e fortalecer o programa de Garis Comunitários, contratando moradores de favelas para atuar dentro dos seus territórios e para além de limpeza, ensinando vizinhos e realizando campanhas e ações coletivas de limpeza dos territórios.

c. Criar programa de coleta seletiva nas favelas que ainda não tenham.

d. Capacitar as associações como força-tarefa para garantir a coleta e a triagem de resíduos sólidos nesses espaços.

e. Realização de projetos de conscientização social em escolas municipais sobre a importância da reciclagem de resíduos.  

31 | Garantir Estrutura às Cooperativas e Iniciativas de Reciclagem em Favelas:

a. Introduzir um programa de incentivo, a partir da remuneração para grupos, associações e cooperativas atuando dentro dos territórios de favelas, que façam gestão de resíduos sólidos (recicláveis, orgânicos, etc.) assim como projetos que gerem renda a partir desta gestão. 

b. Apoio técnico e financiamento para compra de equipamentos e regularização de cooperativas e associações de catadores.

c. Isenção de Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) para os imóveis localizados nas favelas e utilizados exclusivamente por atividade industrial de reciclagem ou de reutilização de materiais recicláveis.

d. Garantir remuneração de cooperativas que prestam serviço à COMLURB, para que não lucrem apenas com a venda dos materiais, mas que sejam pagas pelo serviço prestado, conforme já realizado em outros municípios brasileiros.

e. Ampliação do sistema de coleta seletiva da COMLURB para que mais cooperativas possam receber materiais coletados pela companhia. (Hoje, a companhia atende 115 bairros e recolhe 1.700 toneladas por mês de materiais potencialmente recicláveis, em cerca de 9.000 logradouros, através de 26 roteiros diários. Número de cooperativas beneficiadas atualmente: 25.)

f. Estabelecer uma parceria para inclusão de catadores e catadoras analfabetos, idosos e população em situação de rua a associações ou cooperativas de catadores, garantindo acompanhamento e assistência social.

g. Garantir remuneração mínima e assistência social a catadores não regulamentados, que não atuem em cooperativas.

h. Garantir que materiais recicláveis não sejam incinerados e que sejam destinados para associações e cooperativas de catadores.

i. Incentivar e apoiar iniciativas comunitárias que incentivem a economia circular local e promovam a coleta seletiva, gerando emprego e renda e viabilizando a logística reversa em favelas mal atendidas pelos serviços públicos.

32 | Implementar uma Política de Gestão Comunitária de Resíduos Orgânicos:

a. Viabilizar sistemas de compostagem e/ou biodigestores para tratamento de resíduos orgânicos, que compõem atualmente 54% dos nossos resíduos, em parceria com escolas públicas e a COMLURB em favelas em todas as 33 Regiões Administrativas da cidade, dimensionadas para receber o material orgânico da comunidade e do  entorno de modo a fornecer adubo e gás para a população.

b. Realizar este trabalho em conjunto com hortas comunitárias que possam receber o adubo e utilizá-lo para prover alimento local e saudável à população, sejam hortas escolares, públicas ou individuais.

33 | Garantir a Gestão Participativa na Gestão de Resíduos:

a. Promover a integração entre sociedade civil, empresas e poder público, garantindo especificamente a participação de mobilizadores de favelas e representantes de cooperativas de reciclagem nos conselhos que tratam de assuntos relacionados ao saneamento público, limpeza urbana, reciclagem e economia circular.

b. Ampliar a influência das câmaras técnicas ligadas às secretarias municipais e implementar as soluções apresentadas por elas, garantindo a participação ampla de lideranças comunitárias de favelas e representantes de cooperativas.

c. Introduzir uma lei de responsabilidade social das empresas produtoras de embalagens plásticas, exercendo a responsabilidade da Câmara em cobrar que empresas atuantes em seus municípios apliquem a logística reversa. Lideranças comunitárias de favelas e representantes de cooperativas de catadores devem ser envolvidos na fase inicial de discussões para garantir que sua participação nos sistemas de logística reversa gere trabalho digno e renda para as populações de favelas.

d. Criar um setor de relacionamento comunitário para que associações e agentes comunitários possam dialogar diretamente com responsáveis municipais sobre suas demandas de gestão de resíduos em seus territórios.

X. Justiça Energética

A justiça energética perpassa diversos temas, desde à justiça distributiva (acesso e qualidade regular de energia para todos e principalmente quem mais precisa por questões de bem-estar) à justiça do reconhecimento e procedimental (quem está envolvido nas tomadas de decisões acerca da energia e a transparência desta tomada de decisões). Também abarca garantir acesso à fontes de energia limpa e renovável nos territórios periféricos, e investimentos que possibilitam a eficiência energética e financeira. 

O setor energético é caracterizado por uma lógica de operação verticalizada e linguagem altamente técnica, inacessível. Como consequência o diálogo não ocorre e as questões vêm da concessionária para o consumidor, sem oportunidade de troca. Além disso, a energia é vista como uma commodity e não como um serviço essencial. Esse cenário representa um grande desafio frente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 7, cuja missão é a energia acessível e limpa para todos. Apesar dos indicadores nacionais apontarem o acesso à eletricidade em quase todo o território brasileiro, se faz necessário refletir sobre as condições e realidade desigual desse acesso.

A partir de diversos projetos e ações estratégicas de promoção ao diálogo e entendimento sobre justiça energética, propomos uma horizontalização do tema. Para isso, pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos com as seguintes linhas de atuação:

34 | Elaborar e Executar um Plano de Instalação de Energia Solar em Prédios Públicos nas Favelas, conforme Lei Federal nº 14.300, de 06 de janeiro de 2022:

a. Implementar uma política de instalação de energia solar fotovoltaica nas escolas, postos de saúde, templos religiosos, espaços de lazer, etc., das favelas cariocas, elaborada com a plena participação dos moradores, com prazos, metas e recursos dedicados.

b. Incluir neste plano a capacitação de mão de obra das próprias favelas contempladas sem distinção de gênero, com o foco em geração de renda local e promover o engajamento da população, em parceria com organizações que já estão atuando no tema—essenciais para que se aprofundem as análises e se detalhe os planos de ação.

c. Incluir neste plano a elaboração de conteúdo escolar estimulando jovens a visitar e a se engajar com os painéis para entender o papel da energia solar, eficiência energética e outras soluções energéticas na construção de uma cidade sustentável.

d. A elaboração do Plano de Instalação deve ser feito com efetiva participação social, especialmente da população residente nas favelas e instituições representativas que ali atuam. A execução desse Plano e a sua avaliação de impacto também precisam contar com efetivo controle social desses atores.

35 | Estimular Empreendimentos Solares por e para Moradores de Favelas:

a. Desenvolver um fundo de investimento para investir em treinamentos e empreendimentos de energia solar nas favelas, para que moradores não sejam apenas beneficiários da energia e sim protagonistas na sua expansão, acessando novas fontes de emprego.

b. Desenvolver um fundo de investimento com juros baixos para que moradores de favela possam acessar a energia solar (sugestão: buscar possível parceria com a AgeRio e CAIXA).

c. Incluir e promover, dando prioridade às iniciativas de geração distribuída de energia solar fotovoltaica em favelas no Plano de Desenvolvimento Sustentável da cidade.

d. A elaboração do desenho desses instrumentos de estímulo deve ser feito com efetiva participação social,  conforme já resguardado pela legislação, especialmente da população residente nas favelas e instituições representativas que aí atuam. A execução dessa proposta e a sua avaliação de impacto também precisam contar com efetivo controle social desses atores.

36 | Garantir um Atendimento de Energia de Alta Qualidade, Independente da Fonte Energética:

a. Garantir o acesso à energia elétrica nos locais onde a rede de distribuição é falha ou inexistente.

b. Garantir qualidade dos equipamentos e materiais utilizados de acordo com as características do local da implantação da rede ou sistema descentralizado de geração de energia.

c. Incluir entre as opções no portal 1746 reclamações sobre o atendimento das distribuidoras de energia, frequentemente falho nas favelas cariocas.

d. Assumir o compromisso de cobrar soluções, mediante participação do Conselho dos Consumidores, de encaminhamento à Aneel ou de outras formas que se mostrem eficazes. 

e. Garantir o cumprimento de notificações e seus devidos prazos para de desligamento e/ou manutenção da rede, cortes por falta de pagamento (com 15 dias de antecedência por escrito), manutenção.

f. Garantir o cumprimento de prazos para religação do fornecimento.

XI. Transporte Justo

A característica principal que faz uma localidade sentir de fato integrante da cidade é a de seu acesso ao tecido urbano, da possibilidade de seus residentes se deslocarem de forma fácil, segura e rápida para atenderem suas necessidades. As favelas, seja dentro dos seus territórios ou para locomover pela cidade como um todo, precisam de investimentos proporcionando essa mobilidade, eficientes e de qualidade, a fim de garantir que seus moradores possam realizar seus direitos, inclusive direitos mais amplos como o direito de ir e vir e o direito à cidade. Apesar de usarem muito mais o transporte público, bicicletas e caminhadas para se locomoverem, moradores de favelas sofrem desproporcionalmente com opções limitadas de deslocamento, em relação à áreas formais da cidade.

A partir desse contexto, pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos com as seguintes propostas:

37 | Reconhecer as qualidades de mobilidade dentro das favelas e atender às deficiências, com maiores investimentos, sempre através de diálogos e enquetes frequentes com moradores:

a. Identificar potências da mobilidade/acessibilidade dentro das comunidades, como sistemas de moto-táxi, vans, rotas utilizadas por ciclistas e pedestres, ruas utilizadas principalmente como áreas de lazer e comércio, etc., e oficializar/fortalecer/investir para aperfeiçoar tais usos para que possam se consolidar.

b. Identificar favelas com maiores desafios de mobilidade, levantar soluções junto dos moradores e realizar as soluções, no ideal pensando de forma criativa que demanda o mínimo de transtorno às moradias e espaços existentes valorizados pela comunidade. 

c. Elaborar um plano de logística de cargas nas favelas, incluindo caminhões, motocicletas, bicicletas de entrega, e tecnologias a serem desenvolvidas, que possibilita entregas tradicionalmente difíceis apesar de vielas e becos, com o mínimo de transtorno à comunidade.


38 | Garantir melhor conexão entre favelas, seus transportes, e áreas do entorno
, para facilitar a conexão das comunidades com a malha urbana:

a. Implantar rotas e redes integradas de transporte ativo ao sistema de transporte coletivo, garantindo o deslocamento seguro de pedestres e ciclistas entre as favelas e os locais de lazer, atendimentos e trabalho da população.

b. Reconhecer a importância e articular de forma eficiente os sistemas de transporte complementares (vans e mototáxis) ao sistema de transporte de alta e média capacidade.

c. Implantar equipamentos comunitários próximos às estações e eixos de transporte de alta e média capacidade.

39 | Ampliar dramaticamente o acesso à cidade como um todo através de:

a. Realizar um estudo profundo das ligações moradia-trabalho com base nas moradias das favelas do Rio para verificar tempo e recursos gastos com transporte pelos seus trabalhadores e propor soluções de médio-longo prazo que diminuam de fato este tempo com objetivo de atingir 30 minutos de deslocamento médio por trabalhador.

b. Garantir equilíbrio entre BRTs "paradores" e "expressos" para atender a demanda e maior eficiência do transporte da população periférica.

c. Realizar o retorno de linhas de ônibus consideradas fundamentais por moradores de favelas que foram desativadas no período pré-olímpico, que conectam áreas díspares da cidade sem necessitar de troca de veículo.

d. Realizar intervenções para despoluir as principais vias de acesso da cidade que fazem contato com áreas residenciais populares, como a Avenida Brasil.

XII. Moradia Sustentável

O direito à moradia está presente no rol constitucional dos direitos sociais desde o ano 2000, constituindo-se como uma obrigação do Estado brasileiro para com seus cidadãos desde então. Apesar disso, nos últimos 22 anos percebemos um aprofundamento do problema histórico da falta e precariedade da moradia, em especial nas grandes cidades brasileiras. Neste contexto, as favelas permanecem como local de acolhimento e gestão dessa demanda crescente por moradia adequada. Porém, nesta carta-compromisso buscamos algo além da moradia simplesmente adequada. 

Entendemos por moradia sustentável aquela que, além da construção física com materiais apropriados e de baixo impacto ambiental, mobilidade e segurança geológica do local de construção, existe em harmonia com o ambiente do entorno, abrange a segurança da posse e a e acessibilidade econômica, garante o acesso à alimentos saudáveis, energia, ao lazer, à educação, segurança física, comércio, saúde e ao transporte, tudo produzido de forma menos impactante ao meio ambiente, valorizando a produção e realização local e a convivência em comunidade com direito de estabelecer um sentimento de pertencimento cultural.

O Rio de Janeiro, cidade brasileira com maior porcentagem de seus moradores em favelas, berço popular das mesmas e caracterizado por processos recorrentes de remoção e violência policial, deve ter a pauta da moradia sustentável como destaque para sua atuação, garantindo essa que é a porta de entrada de todos os direitos fundamentais estabelecidos para a sociedade e condição imprescindível para o exercício da cidadania.

No âmbito da moradia sustentável pedimos o compromisso dos nossos representantes políticos com as seguintes linhas de atuação:

40 | Garantir o Direito à Permanência das Favelas Cariocas e Preservar a Memória Coletiva Desses Espaços:

a. Se posicionar contra qualquer ação que ofereça ameaças de remoção e promover ações que garantam a permanência das favelas e o direito à moradia. De nada adiantará concordar com todos os itens acima e não ter compromisso em não remover trabalhadores dos seus lares e comunidades.

b. Apoiar e incentivar iniciativas de implementação de Termos Territoriais Coletivos na cidade, especialmente considerando sua inserção no Plano Diretor Municipal como instrumento de política urbana.

c. Incentivar projetos e atividades que relacionem a permanência com o direito à memória e ao pertencimento em favelas e outros assentamentos informais, apoiando a criação e manutenção de museus comunitários no território.

d. Reconhecer áreas de favelas como espaços voltados para moradia popular, atuando para prevenir processos de especulação imobiliária e gentrificação em favelas e valendo-se de instrumentos como Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS).

e. Limitar ações de reassentamento compulsório apenas para casos excepcionais, que impliquem em risco à vida e segurança dos moradores, devidamente comprovado por meio de estudos técnicos, e priorizar o reassentamento em locais próximos às áreas ocupadas, de preferência dentro da própria comunidade. 

41 | Garantir o Direito à Moradia, Reconhecendo e Valorizando o Protagonismo dos Moradores na Definição de que Comunidade Desejam Construir e Viver: 

a. Apoiar projetos autogestionários de construção e gestão territorial, como os planos populares, garantindo aos moradores autonomia na concepção, execução e manutenção de projetos habitacionais.

b. Priorizar empreendimentos habitacionais em locais adequados segundo as necessidades dos futuros moradores, de preferência próximos a oferta de empregos, serviços de transporte e equipamentos urbanos essenciais. 

c. Combater o déficit habitacional (estimado no Rio de Janeiro em 500.000 moradias de acordo com o CAU) com múltiplas estratégias como a produção de moradias, a conversão de prédios abandonados—públicos  e privados—para habitação de baixa renda e medidas de regularização fundiária que envolvam melhorias territoriais e construtivas nas favelas. 

d. Realizar projetos de intervenção pública a partir das prioridades dos residentes, definidas a partir de um amplo processo de interlocução e participação.

e. Reconhecer a legitimidade de planos territoriais populares, elaborados a partir da mobilização comunitária em parceria com a assessoria técnica; respeitar suas definições nos projetos urbanísticos, e investir recursos na sua implementação

42 | Estimular o Desenvolvimento Comunitário em Favelas, Assegurando Melhorias Habitacionais, de Infraestrutura e Sustentabilidade Socioambiental:

a. Apoiar e incentivar, permanentemente, iniciativas de assistência técnica para habitação de interesse social (ATHIS) para promover melhorias habitacionais e territoriais nas favelas, a partir da criação de escritórios locais de assistência técnica em parceria com universidades públicas e instituições da sociedade civil.

b. Priorizar ações de urbanização que garantam infraestrutura habitacional adequada, acesso aos serviços fundamentais, integração com a mobilidade urbana e mitigação de vulnerabilidades ambientais.

c. Tomar medidas para tornar favelas territórios sustentáveis e resilientes, integradas de forma equilibrada ao meio ambiente local e com alta capacidade adaptativa diante de impactos externos, especialmente emergências climáticas.

d. Criar programa Nenhuma Casa Sem Banheiro nas favelas cariocas, a exemplo do que está sendo feito no Rio Grande do Sul.

e. Assegurar a implementação da legislação sobre Assessoria Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS), garantindo apoio técnico para as construções e melhorias em habitações nas favelas.

f. Estabelecer projetos de subsídio de materiais de construção de baixo impacto ambiental, de modo que se possa garantir a qualidade das construções nos territórios de favelas.


A partir destas propostas, que merecem debate e atenção coletiva, acreditamos na Rede Favela Sustentável que será possível construir uma cidade resiliente e sustentável a partir da valorização, do fomento e incentivo político às favelas e às soluções sustentáveis propostas e realizadas por estes territórios. Caso concorde conosco, lhe convidamos a assinar abaixo.

Eu, ________________________________(nome), representante político no Rio de Janeiro, me comprometo com as propostas e sub-propostas contidas nesta carta-compromisso e vou buscar implementar essas propostas durante o meu mandato.


_______________________________________________
(Assinatura do/a Representante)

Aberta para assinaturas por integrantes e aliados da Rede Favela Sustentável em 1 de junho de 2022, até 3 de junho a carta-compromisso já conta com os seguintes assinantes entre seus apoiadores em busca da afirmação dos representantes políticos nas prefeituras e estado do Rio de Janeiro.

A.M.I.G.A.S - Associação de Mulheres de Itaguaí Guerreiras e Articuladoras Sociais

Ana Leila Gonçalves da Ass. Centro Social Fusão

Andreia Souza

Anna Paula de Albuquerque Sales da A.M.I.G.A.S - Associação de Mulheres de Itaguaí Guerreiras e Articuladoras Sociais

Assistindo Missão Resplandecer

Associação de Moradores e Amigos de Vargem Grande /Feira da Roça Agroecologia e Cultura

Associação de Mulheres de Edson Passos ( Amepa  )

Associaçao Terra Una e Comunidade Coletivas

Centro Comunitario Raiz Vida

Claudio Capeche

Claudio Rocha da University of Stirling

Cleide Jane da Assistindo Missão Resplandecer

Coletivo Pretas de Frente

Comunidades Catalisadoras (ComCat

Dalvanira Ferreira Ribeiro do Instituto Rosa Reviver

Edimara Celi do Coletivo Pretas de Frente

Instituto Rosa Reviver

Julio Rodrigues da FAU/UFRJ

Marcio de Castro do NOPH - Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz

Movimento de Mulheres Maria Pimentel Marinho

NOPH - Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz

Projeto Valentes

Rosana Freitas do Movimento de Mulheres Maria Pimentel Marinho

Sarah Rúbia Nunes Baptista da Associação de Moradores e Amigos de Vargem Grande /Feira da Roça Agroecologia e Cultura

UNIFAMAERJ

Valdirene Militão do Projeto Ricardo Barriga

Verônica  Gomes Martins da Silva do Centro Comunitário Irmãos Kennedy